domingo, 2 de outubro de 2011

O Presente

     Chega com a encomenda debaixo do braço, a contragosto. Larga o volume abandonado em cima da TV, faz jantar, pipoca, transita por alguns canais vazios. Adia o encontro, a coragem. Segura com os dedos em pinça as páginas e as abre, como quem disseca. Lhe puxa ao consciente como quem vomita. Agonia. Persiste por mais algumas letras miúdas. O inocente se torna o assassino. O assassino é inocente, e o juiz é culpado. A ruína lhe volta às lágrimas e atira bigornas a seu corpo leve. A memória do engano se confunde à tragédia metódica de todas as manhãs. Uma janela aberta e um escape de cor, mãos rudes e faces hepáticas. Não quer ver, nem pintado a ouro.
     Surge e brota de todos os cantos. Está. Em cada pulo que amputaram. Em cada curva, em cada vão. Em cada pedra no caminho, em cada verso do Drummond. Não foge, não fica. Lida e contorna, mas retorna. Cada ensaio é um tombo a menos.
     Empurra as últimas frases goela abaixo, regurgita amarguras e retém cada padrão, embrulha bombas em papel de presente.

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