quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Escrevo

e talvez isso me faça melhor. Talvez me faça um alguém menos tenso, menos contido. Menos prisioneiro. Talvez essas letras sirvam como um subterfúgio, uma válvula de escape, tal qual panela de pressão. Talvez eu não saiba para quê escrevo, para quem ou quais são as minhas intenções. Todas essas burocracias de preenchimento de ficha são dispensáveis: escrevo, logo existo. Tudo está ali, basta olhar com os olhos certos e ter paciência. Buscando nos lugares certos, encontrará todas as faces, todas as caras dadas a tapas, todas essas pequenas coisinhas que fazem cada um ser cada um, e não o vizinho.

Ali estarão todas as minúcias de minhas memórias, e descrevê-las cientificamente seria um genocídio de lembranças indefinidas: aquelas em que restam apenas direção e sentido. Nada de módulo, nada de valor preciso, nada de nada. Nada é de graça. Não é assim que a memória funciona.

Cada palavra traz consigo uma montanha de significância. Signifinfância, signifiscência. Signifidulto, talvez mais tarde. Elas não são todas bonitas, limpas e cuidadas, nem sempre foram guardadas num local brilhante e aquecido. Há palavras feias, palavras de-te-ri-o-ra-das, palavras fedidas. Palavras em molambos. Formam andrajos, que carrego com um misto de vergonha e orgulho.

Cada naco de promessa que escrevo se desliga de mim na primeira oportunidade. Não há cordão umbilical, e sim uma tomada. Eles vêm, ficam plenos de energia e esquecem de pagar a conta. Vão caminhando, independentes, granjeando sentido por onde passam. Não há uma dura poesia concreta sequer nessas esquinas. Há mato, há gente, há amores e decepções, rescendem a seu aroma rígido urbano. E então retornam, implorando por mais. Volta e meia, esses passeios duram dias, semanas. Espero pacientemente por cada um, dou um banho, uma polida, penteio suas franjas rebeldes e arrumo suas mochilas.

Virou natural, não mesmice. Afinal, escrevo.