segunda-feira, 15 de abril de 2019

Por que não farei psiquiatria

Não acredito no receptor de serotonina. Não porque não o vi: tive experiência própria o suficiente para conviver com ele, mas até onde ele existe no universo farmacológico, já não sei.
Não acredito na “psiquiatria burra”. Aumenta a dose do remédio, insiste de novo na psicoterapia, sei que é difícil, há fila, há resistência, mas tente! Tentar em vão, um sistema falho, um ambulatório corrido, uma escuta despreparada. 
Não acredito no “afeto normotônico, normomodulante, normorressoante”. “Normo” como? Estatístico? Arbitrário? Pressupõe-se uma “normalidade” em quem conduz a entrevista - uma percepção sem nuvens. Se desnudar de tudo o que carrega. Julgar o outro com uma dureza que não dirigiríamos a nós mesmos (ou, se dirigirmos, acabamos na cadeira de paciente).
Não acredito na loucura. Acredito em sofrimento. O “louco clássico”, o esquizofrênico, mostra que a loucura existe pela comparação - um rótulo que colocamos no contraste dele com o mundo.
Não acredito nas boas intenções de quem diz evitar uma nova Barbacena. Palavras sedutoras, abraços nos pacientes, mas “a mão que afaga é a mesma que apedreja”. Se pudesse, colocavam haldol e sertralina na água potável.
“Inibidores da recaptação” - em uma lógica cartesiana, há até algum sentido. Mas talvez apenas um acaso sortudo, e sequer tão sortudo. Eles não resolvem um orientador de doutorado abusivo. Não resolvem um filho, uma mãe, um avô, mortos. Não resolvem uma história inteira de vida. Não resolvem a favela. Não resolvem o racismo, a homofobia.
Psiquiatras: será que pouco mais que “Mister M”’s do sofrimento? Ilusionismo disfarçado de farmacologia?
Ao se encontrar no fundo do poço, vendo ao longe uma escada infinita a subir, é preciso uma mão de ajuda, sem dúvida. Há sofrimento, e não somos todos Pelé, Didi, Tostão - driblando todo o campo, o time adversário com pernas de 3 metros e mira infalível. Porque o tal time somos nós mesmos. Não há mais amedrontador do que uma batalha contra si mesmo.
É preciso um guia. O mapa, porém, tem áreas em branco, rabiscos, proporção falha, uma rosa-dos-ventos com 5 direções. A bússola implode, ao tentar encontrar uma direção. E a escada permanece longe, o poço permanece fundo, mas agora temos uma venda em nossos olhos, sedados.