sábado, 15 de setembro de 2018

Lâmpadas de emergência sem bateria

Os primeiros e segundos violinos cederam no terceiro compasso. Os violoncelos, ostinatos, sucumbiram ao quinto sistema. Na segunda marcação de ensaio, tampouco os trombones e fagotes permaneciam. O maestro também quebrantava-se. 
Ela deixara de ouvir para onde ia a música. Levantou-se e, a passos magnéticos, tenta caminhar orquestra afora. 
Cada levantar de calcanhares lhe parece sua maior escalada, sem enxergar quantos degraus por vir. Sobre suas espáduas, três toneladas e meia: o sono não dormido, o abraço não dado, a aula não vista. Corre e estende a mão nas nuvens - encontra um mi bemol, levemente desafinado. 
Dispneia ou desalento ao repouso? Força grau 2 para o despertar? A que lesão corporal corresponde o não-cuidado? Seria acaso um vírus, um bacilo gram negativo, um acidente ofídico? 
Apoia os pés no que lhe soa o chão. Mas há muitos compassos não há chão, apenas um acalanto em tom menor: sereno, pero no mucho. Um tempo morto - "um grito pronto pra saltar das paredes da garganta". 
Seu olhar já se esfumaçava, enquanto mil laços amarelos tremulavam no escuro.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Violino

Te conheci pessoalmente pela primeira vez aos 8 anos.
Ainda estávamos desconfortáveis e desajeitados, se desententendo a nosso modo. Mas não tinha jeito: o vínculo já havia nascido.
Te reencontrei alguns anos depois, desta vez pra valer. Você havia crescido, eu também, e aos poucos nossas conversas e abraços foram tomando forma. Me mudei, você se mudou junto comigo. Se antes nos víamos por obrigação (por mais que com vontade), agora nosso convívio era diário.
Eu cresci mais um pouco, e você também. Agora dávamos as mãos entrelaçadas, fortes - apesar das pedras no caminho, continuávamos juntos.
Mas eis que chegam mais primaveras, e com elas outros conflitos. Não conseguia mais te ver da mesma forma, e cada passo era mais custoso. Achei que não valia a pena, achei que estava perdendo meu tempo e muitos outros aproveitariam (e estavam aproveitando) melhor esta oportunidade. Achei que nunca conseguiríamos entrar no acordo calmo e mútuo do início.
Te deixei de lado. Não me orgulho. Todos os dias te olhava ao longe, sem coragem de me reaproximar. Te ouvia nas ruas e inevitavelmente a saudade me preenchia, mas o ânimo não vinha junto. Frustração, medo, tristeza, decepção. Cada vez mais nos afastávamos no que imaginava ser uma rodovia sem retorno.
Algumas vezes ensaiei uma abordagem. Te cortejava mas desistia antes de ouvir uma resposta - no fundo, estava apavorada do que poderia escutar. Foram alguns anos de vai-e-vem, te ouvindo cada vez menos.
E então, sorrateiramente, nos aproximamos de novo. Te abracei mais uma vez, por pouco tempo e seu som emprestado de outro, mas ainda assim: o entrelace se mantinha. A primeira estrada que percorremos juntos, desta vez, foram quatro oitavas. Sol maior. Não fomos sozinhos, depois de tanto tempo não conseguiríamos; mas a ajuda foi bem vinda e serena.
Decidimos manter as mãos dadas; com menos afobação e expectativas, mas o laço ainda ali. Fui relutante. Às vezes a rotina nos atrapalhava, e o progresso foi como o caracol na parede: um passo pra frente, três para trás.
Mas não desistiremos. Não dessa vez.