segunda-feira, 4 de julho de 2011

Suco de maçã com sal à uma da manhã

     Sentia gosto de sangue. A língua que insistia em raspar o ferro solto do aparelho clamava por piedade, e talvez um tantinho de desculpas. Tornara-se insensível aos pouquinhos, a cada pequeno arranhão. Depois de um tempo, só o gosto de sangue. O gosto envolvente e repugnante de sangue. E nostálgico.
     Os minutos passavam tal qual água em torneira quase fechada: de gota em gota, lento, mas de repente já se foram muitos. Minutos desanimados, minutos esperançosos por uma resposta, por uma carta no correio, minutos saltitantes que dançavam alegremente sob o sol, no jardim. O ritmo em que inspirava e expirava o ar não condizia com o mínimo necessário, nem com o mínimo esperado, ou o mínimo mesmo. Mas não havia problema algum. Talvez só falta de açúcar.
     Essa sensação, esse sentimento vazio, esses dias nublados e o vento assobiando na janela, e as noites frias e seus cobertores compunham o cenário perfeito, e agradavam. Oh, agradavam... Porém não satisfaziam a fome de tempo não-cronológico: tempos esses de acontecimentos. Não era Ana Terra, afinal. Seus ventos não traziam novidades.
     O breve toque do telefone mostra a desistência do outro lado da linha e o desapontamento deste lado, eternamente à espera. Um livro aberto em qualquer página e jogado sobre a mesa, um filme aguardando ser visto, milhões de pequenas dicas espalhadas pelo espelho. Uma espera dramática de carteirinha.
     Ora é um pé que dormiu, ora é a coluna de velha doendo, ora a dor no pulso que não gosta de passar. Talvez um pensamento extinto, ou mesmo aquele velho rancor guardado no fundo de suas caixinhas de sonhos. Quando era pequena, sua mãe dissera para guardar seus sonhos em caixinhas, bem organizados, para poder sempre lembrar deles. Ou pelo menos não os deixar empoeirar. Criança tola, acreditara em caixinhas físicas, coloridas, cobertas de pano, lantejoula e rendas. Aos poucos ganhara maturidade suficiente para fabricar essas tais caixinhas, em pensamento.
     Não sabe até hoje, porém, qual seria essa "idade madura", ou a partir de que ponto era considerada suficiente. Apenas lhe incutiram uma frase pronta e feita qualquer, e ela que se desse ao trabalho de digerir.
     Pensa até mesmo em refletir sobre qualquer coisa. Algum assunto que não tenha opinião formada. Mas a variedade é tão grande que desiste, perde o entusiasmo.
     O navio dos rolês zarpou do porto há eras.
     Assim como Calvin, acreditava que os dias de verão foram feitos pra fazer alguma coisa, mesmo se for nada. Especialmente se for nada.
     Era inverno, mas tudo bem.

"(...) E soprava aquela brisa gelada daquela manhã de agosto..."

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