quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Dia de chuva - parte 1

Era de noite, o quarto era escuro, e ela já não enxergava muito bem. Não queria fazer barulho. Foi entrando, sorrateiramente, e esbarrou no criado-mudo. A bebê não acordou, "ainda bem", pensou Cecília. Carregava um lenço encharcado numa mão, uma almofada na outra e lágrimas nos olhos. Se guiava pela lua, pelas sombras que esta provocava. Lua, este era o nome da bebê. Abaixou-se, para não bater a cabeça no móbile de estrelinhas, e com esse movimento sentiu um estalo na coluna. Definitivamente Cecília não tinha mais vinte anos: tinha que se cuidar. Começara a morrer. A filha dormia tranquilamente no quarto ao lado, dormia as poucas horas de sono a que ela tinha direito. Faltava apenas um metro até o berço. "Anda, Cecília, tá quase". Mais dois passos. A Lua brilhava. Mais um passo. Ela estende o braço com o lenço, falta pouco. Mais um. A bebê já começa a se revirar. Mais outro, e a mão de Cecília encosta no nariz da garotinha. Um grito abafado. Silêncio. As lágrimas da mulher caíam torrencialmente sobre o rosto da neta. O outro braço já chegava, por cima. A mãe percebe um movimento, mas não se preocupa. "Deve ser Cecília". E era mesmo. A almofada baixa sobre o rosto delicado, adormecido. Mais lágrimas, desespero. Pressiona. Sem ar, sem ar, sem ar! Pára. O coração de Cecília não mais bate.

Lua já não mais respira.

E a lua brilhava no céu.

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