sábado, 11 de junho de 2011

understanding


- Ei, garoto, sai daí.
Passou o palhaço, o elefante, fumaça, mil luzes, o coelho na cartola, o dia. O rosto redondo e sorridente do palhaço, redondo, sorridente e cruel, redondo, sorridente, cruel e frio. Aceita uma flor? Tchá, água na cara, rá! Não tem graça, mamãe, vamos embora, não teve graça, seu guarda. Mas as luzes, e as palmas, e o calor abafado, os amendoins massudos, aquele gosto de desassossego, ah, aquelas luzes... Levanta-se e se agarra àquela luz, vai, garoto, suba no palco! Agora é sua vez...
- Garoto, vamos, colabore, eu ganho pouco pra fechar esse lugar, 'cê vai deixar meu filho com fome.
Fome, fome, fome, dinheiro, a noite, nada. O mágico o conduziu por entre as belas dançarinas, passou a mão na juba do leão, pôs o pé no primeiro degrau da longa subida rumo ao trapézio. Vai, garoto, tu consegue! Olha pra trás e encontra uma lágrima, duas mãos unidas, unhas roídas, desespero e um grito, vai! Quer que eu escolha outro garoto?
- Vamos, onde está sua mãe?
Ali, ali torcendo por mim, ela não sabe o que fazer, se descabela, sua mão topa com uma parede invisível e dali pra frente, nada mais é dela, nada mais é previsível, nada mais existe. É seu filho, será meu filho, será, meu filho? Mais um degrau, a platéia vai ao delírio, olha o garoto, meu filho! Olha mãe, quero ser igual a ele! Compre amendoins pra mim também? Não, não pode subir! Desçam daí, vocês dois! A primeira fileira se acalma, os tambores rufam, algumas notas numa espécie de trompete desafinado marcam o terceiro degrau. O garoto olha pra cima e força um sorriso. É alto. De repente a escada se transfigura numa pilha, vira prum lado, pro outro, bambeia. Mas vamos, olha lá, a garota te espera e te ensina a pular, é uma delícia, veja com seus próprios olhos! E já está a poucos instantes dali. É festa, é choro, é riso, é a suposta estabilidade, é o zumbido incessante nos ouvidos e o bêbado tropeçando a cada paralelepípedo.
- Tome um brinquedo, garoto, e saia daí.
"Zonzo de ver tambor bater pra quem é daqui, zonzo de ver tambor bater pra quem é de lá, zonzo de ver tanta menina rodopiar, lembrou de que não era pra se lembrar e zonzeou". Berra, esperneia, chora, faz birra, quer voltar, só tem sete anos, só tenho sete anos, inquieta-se, mas está quase, não tem volta. Dá a mão para a bela garota de maillot no fim da linha. Ela lhe apresenta uma barra, duas cordas e uma rede, lá embaixo, pra eventualidade de ele soltar e cair. Segura a barra, as mãos tremulam, as luzes tremulam e mais tambores rufam, quase trompetes desafinam e mães choram. Uma réstia de luz vem do furo na lona e aponta para o chão.
- Garoto, acorda!
A corda e o pulo, o chão é longe, a febre é alta, o nariz escorre muco, sangue e vida. Estanca o grito e os pulmões saem do ar, os braços jazem moles ao longo do corpo e já não suportam seu peso. Mas ele precisa.
- Pare, garoto, pare com isso!
O sorriso da moça se distancia, a música para, o negro come o canto do olho, o guarda é o leão, o leão é o palhaço, o mágico é o elefante e o elefante já não chora. A sebe rasteja e o sapo fica estático. Uma última luz, ei, quer uma flor?
- Vamos, garoto, acabou o espetáculo.

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