segunda-feira, 25 de abril de 2011

Lado

O vento forte balançava as cortinas em pulsos, como uma mulher gorda num balanço. Vai, vem, volta. A música soava alta e initerruptamente, da caixa de som. O telefone apitava de dez em dez segundos, denunciando recados na secretária eletrônica.
O sofá, torto na parede, abrigava um corpo.
Sigo mais um pouco, uma porta à esquerda leva à cozinha, em frente um corredor, a lâmpada no lustre vistoso, queimada. O cheiro quente de bolor e o acre de cachimbos meio fumados. Aquela fresta de luz no chão, e a poeira voante.
A estante ao meu lado embolora enquanto não há alguém para cuidá-la.
Estendo a mão na frente de meu nariz e a ponta de minhas unhas encosta a madeira podre. Rangido e luz. O vidro quebrado da janela deixava passar os pássaros. Aos montes. Os lençóis rotos e sujos jaziam amarfanhados sobre o colchão, fundo. Nada além. Ao lado, um baú semi-aberto guardava um bilhete e pó.
"Não me espere pro jantar" - era o que dizia. Indiferente.
Nenhuma faca, nenhuma corda, nenhuma gota de sangue manchava o assoalho. À direita, um banheiro, privada quebrada e suja do vômito. O espelho lotado de adesivos. A lâmpada pendia sozinha no teto, vidro no chão.
Dou meia volta e a cozinha me espera. A porta do armário, tímida, entreaberta. As formigas saciaram-se do açúcar, e não havia mais. Nem um, nem outro. Um resto de livro abandonado na mesa, manchado de café com leite e saudade. A xícara, posta sucintamente sobre o pires.
Volto à sala e o piano está aberto, como sempre. O banco quebrado não sustenta mais o peso de seu pianista, e de nenhum outro. O corpo abandonado já não me amedronta, me desperta curiosidade. Esse corpo levanta, os olhos brancos tontos, e me esfaqueia pelas costas.

Um comentário:

  1. Super realista,hein? Detalhes,muitos detalhes...parece um mundo paralelo,meio matrix, algo que sabemos que não é a verdade. Onírico. =]

    ResponderExcluir