terça-feira, 19 de abril de 2011

A SOGRA

Peguei um VHS aleatório na estante, tirei o pó da fita e coloquei no aparelho.
Do meu lado, uma xícara de chocolate quente. Do outro, o controle. Faltava rebobinar. Processo lento. Finalmente chega no começo, e aperto o “play”.
Era Natal, e Natal pra mim sempre foi sinônimo de discussão. A família toda reunida, casa de uma das tias, lareira acesa. Desnecessariamente. Aquelas conversas vazias, sempre sobre as mesmas coisas. O ambiente já é propício.
A câmera girava pela sala, e viam-se duas criancinhas correndo à toda pela sala. Minha mãe e suas irmãs sentadas no mesmo sofá, meu tio tocando a mesma música no violão, a Bachianinha do Paulinho Nogueira. Minha avó estressada com a nova empregada, meu avô quase dormindo na cadeira de balanço.
A música termina e o silêncio perdura. Basta uma faísca para a explosão eminente. E eis que essa faísca surge, dessa vez na forma daquela brincadeira tradicionalíssima desde que me tenho por gente: o “amigo oculto”. O relógio da câmera mostra vinte minutos para a meia-noite. O estresse e a ansiedade se alastram, tal qual bocejo. Fim: faltam cinco minutos. Todo mundo se levantando, os mais velhos enganando o sono e os mais novos estirados no tapete ou no sofá. Bate o sino, ouvem-se fogos de artifício e o típico sorriso amarelo e forçado toma conta da expressão facial de todos.
Feliz Natal pra lá, feliz Natal pra cá, a câmera é deixada na mesinha de centro. Só o que se vê é um pote de amendoim. “Vê se melhora de emprego esse ano”. Fim da bateria.
Aperto o “stop” e rebobino a fita. O chocolate quente acabou há tempos. Paro para ouvir. Ao longe, escuto um resto de briga, que também acabou. É tarde, e tem louça suja na pia. Não gosto de louça suja do Natal. Ninguém gosta: gordura demais. Todo mundo come e compra demais no Natal. É presente pra todo lado; mas antes, a maioria invade as multidões dentro de shoppings e gasta, em um dia, o que ganhou durante um ano. É muito rápido. Depois, é diferente. Não gosto de rebobinar os VHS’s. Principalmente as filmagens de Natal. São longas demais. E quando acaba, sempre sobra.
Tem gente que não gosta da sogra. É indesejável.

Nenhum comentário:

Postar um comentário