quarta-feira, 20 de abril de 2011

Olhares metonímicos

"Oi, sou eu de novo. Você ainda não respondeu.
Tudo bem. As coisas andam corridas, né? Não há tempo nem para acender as luzes. O tempo domina você, mas você não domina o tempo.
Tem ouvido muita música? O rádio estava ligado. Estava tocando aquela música que eu te contei mês passado, 'Tribal Gathering', The Byrds. É bem boa, devia procurar.
A luz da sua rua queimou. Não se preocupe, já tomei as providências. Mas que estava escuro, estava.
Aquela velhinha que mora na rua da frente continua tocando saxofone. Dá pra ouvir daqui.
Hoje, quando tu me viu, não pude responder direito. Estava no meio de algo importante, não me lembro bem o quê. Pode ser que tenha sido uma ligação, ou uma futura. Mas ganhei um presente em pensamento, e você nem percebeu que o deu, ou foi de propósito?
Um presente em pensamento é aquela sensação boa que nos enche de confiança e ar. Muito ar. Empinamos o nariz, esticamos a coluna e seguimos por aí, felizes. É a esperança de um tempo não perdido, é outra palavra fedida jogada no lixo. Um presente em pensamento não se vê, não se mostra, não se empresta. Não vale nada, e vale mais que todo o dinheiro do mundo. Um presente em pensamento não é comprável.

Um presente em pensamento se dá sem consciência, e se retribui com um presente em sentimento.

Um presente em sentimento não se pode retribuir. Se dá outro. E então se troca, se mistura e vira um só. Exponencialmente maior.

Você fatiou esse sentimento em dois, espremeu até a última gota de sumo, acrescentou uma pitada de olhar, colocou numa jarra e esqueceu em cima da mesa.

A despensa estava vazia, e a louça, suja.
Não tinha mais guardanapo."

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