segunda-feira, 18 de abril de 2011

Carta de pensamento

Caro Carlos,
Acho que de tanto que a gente procura, a gente cansa. Procura trabalho, procura dinheiro, procura amor, procura idéia. Pra quê, no fim? Se achou emprego, pronto, resolveu. Daqui um tempo, cá estamos nós, de novo, a mesma lenga lenga.  Se achou dinheiro, gasta. Acaba, e lá vai procurar de novo. Se acha amor, está enganado: o amor não é encontrável, ele escolhe quando e para onde vai. Tem vida própria. Como bem disse o gênio da lâmpada, posso conceder-lhe três desejos, mas no amor não posso interferir. Se encontra a idéia? Ou coloca no papel, como uma representação reduzida e submissa daquilo que não é representável, ou então puf, escapou. Passa pelos nossos olhos, entra por um ouvido e sai pelo outro. Vai, acende tua lâmpada, e vê se ela se mantém. Precisa de energia, e depois queima. A idéia é simples. Mas não é fácil. 
Aí vem você e me diz que o que procura não é nada disso. Você procura a poesia, você "contempla as palavras". Pois você pode me dizer que a encontrou? A poesia, Carlos, é como o amor: vem, mas não se deixa achar. Como você mesmo diz. Se encontrar a poesia, ela não é tua. A poesia não existe por si só, não é um ser uno e determinado. A poesia constrói sentido com aquele que identifica. Ou que se identifica. É variante. E mesmo para um único, a poesia tem suas faces: cada palavra é um pedaço de tua lembrança, de tua visão, e cada pedaço vem de um lugar diferente. Tem outro sentido. O sentido original? Se perde, e só existe com o autor. Mas, autor, não seja arrogante! A poesia é tua, mas pode ser emprestada. Ela viaja. Mas a poesia não está perdida. 
A poesia está lá. Dormindo, acordando, dia a dia, quando quer vai atrás de ti. Ela é eterna. "Diante dela, a vida é um sol estático". 
A poesia não gosta de ninguém. Ela não ama. É uma relação unilateral, Carlos, isso se tu amas a poesia. A grande esperança da vida do poeta é que ela resolva retribuir. Mas a poesia tem memória, sim. ela lembra das tuas traições, dos teus cigarros inexistentes. Ela não gosta de você, Carlos.
A poesia pode ser o efêmero. Pode ser a destruição, a morte, a própria vida e até mesmo o latido do cachorro do vizinho dois minutos atrás. A poesia eterniza, mas também acaba. Ela pode só não interessar para você, ou para o mendigo pedindo esmola no sinal, ou para aquela garota revoltada que só quer saber de rock. A poesia pode se manifestar rápida, fútil. Pode estar no gesto mais vulgar. A poesia pode se mostrar onde quiser. Ela pode, perfeitamente, estar misturada à raça. O bruto pode não ser poesia, mas a poesia pode conter o bruto. Quando ela quiser, claro. 
A poesia tem sentimentos, também, Carlos. Leve-os em conta. Ela não gosta de revolteios. Ela gosta é de mudança. Não é estática. O mundo onde ela está pode ser. Mas logo ela muda. A poesia não é de fofocas. Não a interessa se fulaninho ama fulaninha, mas esta não o ama. A poesia pode estar no amor. Mas não gosta de dizê-lo. É inefável.
A poesia é a mais pura e fina lâmina de ouro. Valiosa. Mas se rompe com menos de um tiro. A poesia é eterna, mas não é para sempre. Ela se dissipa em águas turvas. Dilui. Queima teu sentido, e se torna poeira de poesia.
Mas quem sou eu para falar de poesia, não é, Carlos? 

Um comentário:

  1. 'Vai, Carlos! ser gauche na vida'. Amei trechos como ''o amor não é encontrável, ele escolhe quando e para onde vai'',''A poesia, Carlos, é como o amor: vem, mas não se deixa achar'' e ''Vai, acende tua lâmpada, e vê se ela se mantém'' =]
    Como as ideias de Hegel,um teórico foda da Poética, não se trata de uma fusão direta com o sentimento,passa pelo crivo da consciência,liberta o espírito,não DO sentimento,mas NO sentimento. É perceber o que sentimos,não meramente dar vazão aos sentimentos. ;) e vc? não passa no meu blog não? =O bjbj

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